sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Ser(+)tão profundo


O Sertão do Estado de Alagoas foi sempre um lugar que me encantou por demais. Vejo uma beleza sem igual nas paisagens ainda quando em tempos ásperos. A varanda da casa de meu pai era prenuncio de madrugadas. Eu ali acordado com papel e caneta: sair tirando poemas da tinta vermelha da caneta, como se estivesse compondo versos com sangue em meio ao frio sertanejo; que castiga, que faz tremer de verdade. E assim, o papel - que aceita toda e qualquer coisa! - era preenchido até o amanhecer do dia, com a chegada da neblina. 
No fim das contas, não sabia se tremia em função do frio ou pela viagem pelo que andava escondido dentro de si mesmo. 

Eis os dias em que o Sertão soava ser tão profundo, ressaltava as cores da solidão em paradoxos brilhantes como o lirismo áspero da paisagem; a ingenuidade inteligente do matuto, a simplicidade sofisticada da vida sem outra preocupação que não o sentido da própria vida.

Foi numa viagem ao Sertão que - aos 16 anos de idade - li Aurora do filósofo alemão Nietzsche. Foi numa ida ao Sertão que li - um ano depois - O Lobo da Estepe de Hermann Hesse. Livros pelos quais guardo um especial carinho até esta data. 

Sem contar que numa das últimas idas ao Sertão - já eu mesmo no comando do carro - notava a sutileza de mudança do agreste para os campos sertanejos ao som de Todo Cambia de Mercedes Sosa. De fato a certeza de que tudo muda, até as paisagens em suas estações, até a estrada, até a viagem que nunca é sempre a mesma, apesar da mesma rota. 

E se Todo Cambia, que eu mude não é estranho, “grita” Sosa em meu ouvido no exato momento em que o agreste vira Sertão. A casa por lá não tem mais meu pai. Fica a maior parte do tempo fechada desde seu falecimento. 

O cotidiano apressado nos prende à capital. Preocupações que parecem imensas e - no entanto - são secundárias viram âncoras e passamos sem perceber sutilezas que são questão bem maiores na vida. Eu não vou muito ao Sertão, mas aquela sensação de solidão investigativa que aprendi na varanda da fazenda não sai de mim. 

Há um Sertão aqui dentro. Há um áspero lirismo por aqui, que muda conforme estações, que se submete às reflexões em busca do que anda escondido dentro de si mesmo. Que se interroga sobre o mundo “e sua vontade de representação” que encara a seca a espera da chuva e vai se molhar - quando ela chega! - valorizando o sabor de cada pingo de água. 

Há ainda por aqui os questionamentos como base no “ser e o nada”; esse existencialismo; esse lado gauche das “sete faces” do Carlos Drummond de Andrade; das cores que ficavam mais vivas quando o silêncio e o frio do Sertão eram companhia e cobertor das madrugadas. Não sei se algum outro maluco no mundo devota à geografia de um lugar um importante papel em sua formação intelectual. Mas, eis que eu confesso que o “maluco” aqui faz isto e com nostalgia.

Podem acreditar, o Sertão pode ser tão profundo...

Um comentário:

  1. Ótimo texto, Luis Vilar. Parabéns! Eu vivi no Sertão de Alagoas durante parte de minha infância. Tenho ótimas lembranças.Há vários causos em minha mente, risos... O Sertão é profundo, se for possível compreender a beleza da vida através das paisagens e das pessoas do local.

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