Esses caras muito bons, extremamente santos, sempre prontos
para te abordar na esquina com os argumentos irrefutáveis de que você precisa acordar
e aderir a luta por um mundo melhor, me preocupam.
Não que eu não queira um mundo melhor! Quero sim. Tento me
pautar por isto no dia a dia. Pensar sempre no próximo e ser o mais justo
possível. Os problemas são os caminhos tortuosos que visam sufocar a liberdade
e abrir mão de determinadas garantias para se atingir um objetivo maior, um bem
religioso (não no sentido místico da palavra, mas no de religação com uma causa
maior que nós), um amanhã que para ser atingido precisamos abrir mão do hoje e
que possivelmente não desfrutaremos.
O BEM SUPREMO que nos leva a aceitar TUDO na certeza de
estamos caminhando, marchando, existindo, focados e acordados pela próxima
geração. Somos o caminho rumo ao BEM e só eles possuem a chave, as respostas, a
razão, enfim...o monopólio de virtudes elaborado para o catálogo da
revolução. Abordarão nossos esqueletos
alienados na esquina. Mandarão na bucha: “e aí, tá com a gente, ou é mais um do
MAL?”.
Tomado de assalto, muitos aderem à visão romântica alimentada
pela subjetividade do desejo mais que natural por um mundo melhor. Logo em
seguida, sufocada a subjetividade, outro sentimento impera. Você até pode
discordar dentro do grupo. Mas, jamais externe isto. Lá fora é guerra! Defenda
os seus, ame os seus. São eles que querem o mundo melhor. Os demais, mais
inimigos.
Vão te transformar em gente mesquinha, tacanha, pequena,
gente tão do mal, mais tão do mal que prefere manter a honestidade a ter que
cometer crimes pela causa. Os bravos tão bem ilustrados por George Orwell em
sua Revolução dos Bichos. O sentimento
tão bem questionado por Hermann Hesse em seu O Lobo da Estepe, ao vagar perdido
entre tanto maniqueísmo.
Lembra-me Arthur Koestler em seu O Zero e O Infinito: “Pois o
movimento não tinha escrúpulo; rolava inexoravelmente rumo à sua meta
depositando os cadáveres dos afogados nas reentrâncias de seu curso. O curso
tinha muitas curvas e reentrâncias; essa era a lei da sua existência. E quem
não fosse capaz de acompanhar seu curso tortuoso era relegado à margem”.
São estas reentrâncias presentes em alguns movimentos por “um
mundo melhor” que preocupa. São reentrâncias determinadas pelas lideranças que
surgem, que erguem o cajado para dividir o mar no meio. São os que gritam: “vai
comigo rumo à causa, ou ficará do lado do MAL”. Como camaleão, criam cores e
justificativas para tudo. O IDEAL em si será sempre mantido puro como o norte.
Fala Koestler: “o Partido só reconhecia um crime: desviar-se
do curso traçado. E só um castigo: a morte”. Em tempos modernos, a aniquilação
do oponente por meio de estratégias desonestas intelectuais o suficiente para
desmoralizá-lo. Um tipo de morte que não física, mas que não permite que ele
dialogue. Ele tem que passar a se justificar sempre. Ele é lançado à fogueira.
Todos os munidos dos ideais puros para cima do inimigo, já.
Por fim, com foco do BEM SUPREMO e do monopólio das verdades,
proferiu certa vez o bispo Von Nieheim: “quando tem a existência ameaçada, a
Igreja é dispensada dos mandamentos da moralidade. Visando a unidade, o emprego
de todos os meios é santificado, até mesmo a astúcia, a traição, a violência, a
simonia, a prisão e a morte. Pois toda ordem é em prol da comunidade, e o
individuo deve ser sacrificado ao bem comum”. Substituam Igreja por qualquer
grupo monopolizador de virtudes (de qualquer lado do tabuleiro) e não estranhe
as semelhanças.
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