Sempre tive uma admiração
incrível por quem consegue usar as palavras com clareza, sobretudo quando
partem para a construção de metáforas ou brincam com os radicais do léxico e o
duplo sentido. Porém, mesmo diante das metáforas ou do sentido literal, nunca
perdem o norte da clareza para com o ouvinte-leitor.
Nas redes sociais, por exemplo, o
trabalho desenvolvido por Carlos Maltz (ex-engenheiro do Hawaii, escritor,
músico, astrólogo e psicólogo) é algo que me chama a atenção (e muito)
justamente por este motivo. O uso da palavra, quando busca a obscuridade, o
proselitismo, ou a confusão mental, tem um único objetivo: dominar e fraudar um
debate. É a porta aberta para a vigarice intelectual. Maltz é um excelente
exemplo de honestidade intelectual no uso da rede.
Quem coloca isto de forma muito
bem posta é o escritor George Orwell em seu maravilhoso 1984. Ele ressalta o
“duplipensar” e a “novilingua”. Orwell mostra que o domínio mais eficaz de uma
sociedade é por meio da linguagem. Por meio da linguagem é possível criar os
“ditadores do bem”, bem representados pelos defensores do politicamente
correto. Basta uma palavra para esconder a concepção e o objetivo dos fatos e
criar uma realidade paralela.
Nesta realidade, quem desnuda os
fatos é sempre alguém mal, vil, golpista, fascista, ou qualquer outra palavra –
distante de qualquer argumento – produtora de uma ilha ilusória onde vivem os
que sempre querem o “bem” da humanidade.
Corruptos viram altruístas “em
nome da massa” num simples produzir de um dicionário que dá sustentação a uma
ideologia. E quem enxerga com clareza o que se passa por trás destas palavras
que servem de cortina a um sistema, logo é taxado de alienado. Simples assim.
Para isto, bastam palavras. Isto por si só mostra o ambiente que se tornou as
redes sociais quando nas mãos dessa gente que é sempre o “portador do
sentimento mais nobre de justiça e luta pelos pobres”.
Já diria o escritor Nelson
Rodrigues: “é fácil amar a humanidade; difícil é amar o próximo”. Se torna
ainda mais fácil esse amor altruísta à humanidade quando apoiada em jargões e
na destruição completa de qualquer adversário, como se inimigo fosse. Aliás, por
meio das palavras se cria sempre um “inimigo imaginário” capaz de corromper a
tudo e a todos. Desta forma, esta criatura “abnegada que sempre age em nome do
bem maior” não precisa argumentar com ninguém. Afinal, todos que estão contra
ele são apenas “funcionários” deste “inimigo imaginário” que quer “dominar o
mundo”.
Você será sempre o Pink de um
Cérebro imaginário... parodiando aqueles dois ratinhos de laboratório do
desenho animado. A caricatura está pronta por meio das palavras.
Como palavras são usadas para
eufemismos e deturpações: é como o Estado começar a chamar o pagador de imposto
de contribuinte. Um joguete vocabular para ficarmos mais satisfeitos com o que
somos obrigados a pagar. Ora, imposto é uma imposição. Imposição não é uma
contribuição. Logo, não somos contribuintes. Não se trata de ser contra
impostos. Claro que eles devem existir. Trata-se apenas de querer a linguagem
certa para tornar os fatos claros, ao invés de obscuros.
O marketing é sensacional neste
sentido. Vale lembrar o que já colocava o filósofo Confúcio – há muito tempo! –
ao ressaltar: “quando as palavras perdem seu significado, as pessoas perdem a
sua liberdade”. O politicamente correto dos dias atuais nada mais é do que
isto. Encontrar – muitas vezes – maldade, racismo, perversidade, inimigos, onde
não há nada disto. Assim, doutrinar!
Lembro de um jornalista
hostilizado – recentemente! – por utilizar o termo “línguas negras” para
denominar um pequeno rio de esgoto que ia até o mar. Pronto, ele virou racista
para muita gente. Ora, nunca houve racismo algum na expressão.
Por outro lado, um deputado
federal que defende a bandeira dos homossexuais e – em um primeiro atrito com
alguém que divergia dele – chamou o debatedor de “bicha enrustida”. E aí? No
caso dele, não se trata de homofobia? É a novalingua em andamento.
No dias atuais, ser um
intelectual é falar confuso, é ser prolixo na vigarice intelectual para dar a
impressão de que ninguém consegue rebater pensamento tão grandioso em função
das palavras difíceis e das expressões que se usa. Salve Karl Popper que disse:
“o cultivo de uma linguagem simples e despretensiosa é dever de todo
intelectual”. Pois é. Quem é obscuro de maneira proposital não quer ser pego na
própria vigarice.
Por sorte, temos sempre os
atrevidos capazes de passar a rasteira “nestes senhores intelectuais de
plantão” e a forma como usam a linguagem. Alan Sokal escreveu certa vez um
artigo confuso, cheio de palavras difíceis, jargões e expressões
incompreensíveis e mandou para uma revista científica. Sokal sabia que seu
texto não dizia nada com nada. Ele foi publicado e aplaudido. Mistificasse a
linguagem e esta se torna a embalagem muito mais importante que o conteúdo. Em
alguns casos, sequer precisa de conteúdo.
Por isso as palavras são tão
importantes. Elas servem para clarear, para argumentar sobre a realidade, para
desnudar, para tornar óbvio o que é visto. Quanto mais claro alguém consegue se
expressar, mais honesto intelectualmente ele está sendo. Esta deveria ser uma
regra em um debate: buscar a clareza como forma de libertação, como caminho
para se atingir a verdade. A verdade é sempre algo muito mais importante que os
debatedores e seus egos presos à dimensão mesquinha da vaidade intelectual ou
de outras vaidades e interesses.
Não importa se azul ou vermelho,
se lado A ou lado B, se esquerda ou direita, se rock ou funk, enfim...é cada
vez mais comum encontrarmos em simples palavras a busca pela obscuridade.
Gritar, berrar, para se fazer superior. A força com que você grita não
transforma o que você diz em verdade. Cito exemplos, chamar de “factóide” ao
invés de argumentar fatos expostos que lhe são desagradáveis, chamar de
“golpista” quem simplesmente mostra uma visão discordante, chamar roubo de
“malfeito” e por aí vai o emprego de palavras e mais palavras e mais palavras
que cumprem um objetivo claro naquela novalingua citada por George Orwell.
No fim, os que escrevem o
dicionário da pós-modernidade – como não poderia deixar de ser – dominam sem
fazer força e saem por aí arrotando superioridade com o vocabulário que
criaram. Eles serão sempre politicamente corretos, serão sempre monopolizadores
das virtudes. Coitado de você se tiver uma palavra que os afronte, se tiver
algo que os desnude. Você saiu da cartilha, está usando o que é proibido pelos
dicionários. E se a medida é a régua deles, você nunca estará certo. Será
sempre o mal a ser combatido. Para todo o sempre, amém.
Vale lembrar uma regra posta para
quem quer usar as palavras para obscurecer: “acuse sempre o adversário de ser
aquilo que você é”.
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