terça-feira, 19 de novembro de 2013

Palavras que libertam são as que buscam clareza

Sempre tive uma admiração incrível por quem consegue usar as palavras com clareza, sobretudo quando partem para a construção de metáforas ou brincam com os radicais do léxico e o duplo sentido. Porém, mesmo diante das metáforas ou do sentido literal, nunca perdem o norte da clareza para com o ouvinte-leitor.

Nas redes sociais, por exemplo, o trabalho desenvolvido por Carlos Maltz (ex-engenheiro do Hawaii, escritor, músico, astrólogo e psicólogo) é algo que me chama a atenção (e muito) justamente por este motivo. O uso da palavra, quando busca a obscuridade, o proselitismo, ou a confusão mental, tem um único objetivo: dominar e fraudar um debate. É a porta aberta para a vigarice intelectual. Maltz é um excelente exemplo de honestidade intelectual no uso da rede.

Quem coloca isto de forma muito bem posta é o escritor George Orwell em seu maravilhoso 1984. Ele ressalta o “duplipensar” e a “novilingua”. Orwell mostra que o domínio mais eficaz de uma sociedade é por meio da linguagem. Por meio da linguagem é possível criar os “ditadores do bem”, bem representados pelos defensores do politicamente correto. Basta uma palavra para esconder a concepção e o objetivo dos fatos e criar uma realidade paralela.

Nesta realidade, quem desnuda os fatos é sempre alguém mal, vil, golpista, fascista, ou qualquer outra palavra – distante de qualquer argumento – produtora de uma ilha ilusória onde vivem os que sempre querem o “bem” da humanidade.

Corruptos viram altruístas “em nome da massa” num simples produzir de um dicionário que dá sustentação a uma ideologia. E quem enxerga com clareza o que se passa por trás destas palavras que servem de cortina a um sistema, logo é taxado de alienado. Simples assim. Para isto, bastam palavras. Isto por si só mostra o ambiente que se tornou as redes sociais quando nas mãos dessa gente que é sempre o “portador do sentimento mais nobre de justiça e luta pelos pobres”.

Já diria o escritor Nelson Rodrigues: “é fácil amar a humanidade; difícil é amar o próximo”. Se torna ainda mais fácil esse amor altruísta à humanidade quando apoiada em jargões e na destruição completa de qualquer adversário, como se inimigo fosse. Aliás, por meio das palavras se cria sempre um “inimigo imaginário” capaz de corromper a tudo e a todos. Desta forma, esta criatura “abnegada que sempre age em nome do bem maior” não precisa argumentar com ninguém. Afinal, todos que estão contra ele são apenas “funcionários” deste “inimigo imaginário” que quer “dominar o mundo”.

Você será sempre o Pink de um Cérebro imaginário... parodiando aqueles dois ratinhos de laboratório do desenho animado. A caricatura está pronta por meio das palavras.

Como palavras são usadas para eufemismos e deturpações: é como o Estado começar a chamar o pagador de imposto de contribuinte. Um joguete vocabular para ficarmos mais satisfeitos com o que somos obrigados a pagar. Ora, imposto é uma imposição. Imposição não é uma contribuição. Logo, não somos contribuintes. Não se trata de ser contra impostos. Claro que eles devem existir. Trata-se apenas de querer a linguagem certa para tornar os fatos claros, ao invés de obscuros.

O marketing é sensacional neste sentido. Vale lembrar o que já colocava o filósofo Confúcio – há muito tempo! – ao ressaltar: “quando as palavras perdem seu significado, as pessoas perdem a sua liberdade”. O politicamente correto dos dias atuais nada mais é do que isto. Encontrar – muitas vezes – maldade, racismo, perversidade, inimigos, onde não há nada disto. Assim, doutrinar!

Lembro de um jornalista hostilizado – recentemente! – por utilizar o termo “línguas negras” para denominar um pequeno rio de esgoto que ia até o mar. Pronto, ele virou racista para muita gente. Ora, nunca houve racismo algum na expressão.

Por outro lado, um deputado federal que defende a bandeira dos homossexuais e – em um primeiro atrito com alguém que divergia dele – chamou o debatedor de “bicha enrustida”. E aí? No caso dele, não se trata de homofobia? É a novalingua em andamento.

No dias atuais, ser um intelectual é falar confuso, é ser prolixo na vigarice intelectual para dar a impressão de que ninguém consegue rebater pensamento tão grandioso em função das palavras difíceis e das expressões que se usa. Salve Karl Popper que disse: “o cultivo de uma linguagem simples e despretensiosa é dever de todo intelectual”. Pois é. Quem é obscuro de maneira proposital não quer ser pego na própria vigarice.

Por sorte, temos sempre os atrevidos capazes de passar a rasteira “nestes senhores intelectuais de plantão” e a forma como usam a linguagem. Alan Sokal escreveu certa vez um artigo confuso, cheio de palavras difíceis, jargões e expressões incompreensíveis e mandou para uma revista científica. Sokal sabia que seu texto não dizia nada com nada. Ele foi publicado e aplaudido. Mistificasse a linguagem e esta se torna a embalagem muito mais importante que o conteúdo. Em alguns casos, sequer precisa de conteúdo.

Por isso as palavras são tão importantes. Elas servem para clarear, para argumentar sobre a realidade, para desnudar, para tornar óbvio o que é visto. Quanto mais claro alguém consegue se expressar, mais honesto intelectualmente ele está sendo. Esta deveria ser uma regra em um debate: buscar a clareza como forma de libertação, como caminho para se atingir a verdade. A verdade é sempre algo muito mais importante que os debatedores e seus egos presos à dimensão mesquinha da vaidade intelectual ou de outras vaidades e interesses.

Não importa se azul ou vermelho, se lado A ou lado B, se esquerda ou direita, se rock ou funk, enfim...é cada vez mais comum encontrarmos em simples palavras a busca pela obscuridade. Gritar, berrar, para se fazer superior. A força com que você grita não transforma o que você diz em verdade. Cito exemplos, chamar de “factóide” ao invés de argumentar fatos expostos que lhe são desagradáveis, chamar de “golpista” quem simplesmente mostra uma visão discordante, chamar roubo de “malfeito” e por aí vai o emprego de palavras e mais palavras e mais palavras que cumprem um objetivo claro naquela novalingua citada por George Orwell.

No fim, os que escrevem o dicionário da pós-modernidade – como não poderia deixar de ser – dominam sem fazer força e saem por aí arrotando superioridade com o vocabulário que criaram. Eles serão sempre politicamente corretos, serão sempre monopolizadores das virtudes. Coitado de você se tiver uma palavra que os afronte, se tiver algo que os desnude. Você saiu da cartilha, está usando o que é proibido pelos dicionários. E se a medida é a régua deles, você nunca estará certo. Será sempre o mal a ser combatido. Para todo o sempre, amém.


Vale lembrar uma regra posta para quem quer usar as palavras para obscurecer: “acuse sempre o adversário de ser aquilo que você é”. 

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