Tenho
um medo terrível de autoestradas. Nunca gostei de dirigir e o pavor de longos
trechos com uma velocidade acima da “minha” média – que é mínima - me assusta
demais. Mas, sempre acreditei que devemos enfrentar nossos limites, mostrando
que somos maiores que nossos medos. Isto faz com que eu enxergue o medo – que
por vezes é o outro lado da moeda quando uma das faces é a coragem – como algo
sadio.
Um
alerta sobre o qual podemos racionalizar e assim superar. O medo não pode
paralisar. Ouvi essa frase – assim de forma simples! – em uma canção dos
Engenheiros do Hawaii. O último CD da banda até o presente momento. A canção
chama-se Quebra-Cabeça. O verso completo é o seguinte:
Pode
estar no ponto
Ponto
de interrogação
Pode
ser encontro
Ou
separação
Pode
correr risco
Arriscado
sempre é
Só
não pode o medo te paralisar
É um
sentimento semelhante com o qual me deparo quando pego a autoestrada. Sempre um
desafio que eu mesmo estou me impondo. Sempre um medo que estou vencendo e não
me paralisando. E sempre, entre o ponto de partida e o ponto de chegada, um
ponto de interrogação.
Por
mais que o caminho seja o mesmo, nunca é a mesma viagem. Metaforicamente e
literalmente também. Os pontos de passagem, os imprevistos possíveis em uma
autoestrada, o posto de combustível onde vamos parar, o que escolher para
comer, as conversas que terei – com quem me acompanha – até chegar ao local
esperado. Tudo isso vai auxiliando a desafiar o medo e a não paralisar. Quando
menos se espera a viagem finalizou e chegou satisfeito comigo mesmo ao fim da
jornada.
Para
mim é a autoestrada. Pode ser uma bobagem para o leitor que se depara com este
texto neste momento. Mas, para você, caro leitor, tal desafio pode não ser a
“highway”, mas algo bem simples mesmo. Tenho um amigo – por exemplo – que este
desafio consiste em ir a locais com grandes multidões. “Toda vez que estou aqui
estou vencendo a mim mesmo e esta é uma vitória diante de algo tão simples, mas
que só eu tenho a dimensão dela”, disse-me uma vez. Concordo com ele
integralmente.
Acredito
que todo ser vivente deve ter seus “medos imbecis” que proporcionam “vitórias
interiores”. Bem, ou talvez eu espero que todo mundo tenha para que eu não soe
tão maluco assim. Né?
Só
para situar o leitor do ridículo dado que para mim tem tamanha importância: nos
últimos 30 dias peguei a autoestrada 4 vezes e tenho programado – junto com a
família – viagens cada vez mais longe. Quem saiba não vá ao Sul do país de
carro? Eu voltaria um outro eu. Podem estar certo disso. Voltaria o cara que
escreveria na sua história um feito de heroísmo tamanho que me credenciaria a
estar no próximo ônibus espacial com destino a Marte (e no volante da nave!).
Por
enquanto, a maior distância: 300 e poucos quilômetros a uma velocidade média de
90 km/h. Este é o dado concreto. Vamos aos reais: coração com sensação plena de
que tudo é possível, corpo com a disposição de pular todo tipo de barreiras,
alma com a compreensão de que o medo não pode paralisar mesmo, certeza de que não se pode abandonar a poesia
na dificuldade de concluir o primeiro verso...e por aí vai. Dados reais? Sim!
Mais reais que estes para mim é impossível. Você deve saber bem disso nos seus
pequenos medos.
Sabe
aquele meu amigo? Um dia ele chegou todo orgulhoso de si: cara, eu fui a um
show – em algum lugar do mundo que eu não lembro – que tinha mais de 100 mil
pessoas. Eu nem gostava da banda, mas sai de lá gostando mais de mim. Juro, é
assim que desço do carro depois de 300 km de autoestrada. Valeu a pena cada
curva que detestei fazer.
Estrada
(Luis
Vilar)
Estrada
em frente
Sempre
enfrente
Não
há outra solução aqui
Cada
curva
Pequenas
lutas
Entre
descansos até um fim
Próxima
parada
Próximo
movimento
Um
mundo conhecido pode desabar
Quem
sabe eu mesmo
Já
não seja mais o mesmo
Quando
for a hora de voltar
Quando
o pé pisar a estrada
O
coração pisará fundo em outro lugar
Quando
a autoestrada já não significa nada
Serei
mais triste apesar de tudo aqui me desafiar
Estrada
em frente
Sempre
enfrente
Não
há outro jeito de continuar
Cada
curva
A
inteligência contra a força bruta
Entre
descansos; mas nunca parar
Quando
o pé pisar a estrada
O coração
pisará fundo em outro lugar...
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