quarta-feira, 1 de maio de 2013

Das solidões e a solidão que cai como luva; ou é espelho


Não sou religioso. Aliás, estou distante disto. Mas, mesmo cético, nunca deixei de ouvir quem traz argumentos em suas colocações - independente de suas crenças - por um motivo bem claro para mim: a sede do conhecer!

Neste sentido, caiu em minhas mãos um livro de Anselm Grün. Um teólogo que desconhecia. Quem me apresentou sua obra foi o amigo José Marques. Chama-se Pequeno Tratado do Bem Viver.

Grün faz traz uma série de pequenos textos tendo como linha de condução do discurso a divisão por valores. E na abertura da obra, uma colocação simples, mas bastante pertinente: "valores são as fontes em que podemos beber para que nossa vida floresça e tenha sucesso".

Por qual razão pertinente? Ora, os valores que assumimos como pilares, para pautarmos a nossa conduta dirão mais de nós do que qualquer eventual discurso. São estes que trarão de fato as flores e o sucesso. Entendendo que a palavra sucesso em nada tem a ver com fama ou fortuna, mas como o encontro exitoso consigo mesmo.

Não compartilho das crenças de Grün, mas concordo plenamente com os valores que ele coloca como fundamentais para este "bem viver" que faz com que nos encontremos com o próprio eu. O teólogo ressalta a necessidade de atenção com o mundo a nossa volta para apreendermos, aprendermos e analisarmos, incluindo a atenção a si mesmo: "quem não vive com atenção vive à margem de si mesmo e da realidade".

As atividades diárias que executamos com atenção se relevam em sentidos para a nossa jornada, sobretudo quando nos encontramos sozinhos; em solidão plena. E aqui volto a citar Grün: "o valor da solidão está em que ela possibilita uma atenção maior". A solidão abre os nossos sentidos para enxergamos, construirmos e vermos sentido. Assim, é possível desfrutar também da solidão.

Temos fugido tanto desta solidão que nos coloca em companhia de nós mesmos nos dias atuais. O mundo nos oferece tantos prazeres, que fica difícil encontrar esta solidão. Pois, o que deveria ser um retorno a nossa morada, aos nossos valores, à reflexão sobre a existência, acaba sendo o vazio depressivo. Justamente pelo mergulho entre tantos prazeres. Um mergulho que nos leva a nos afogar no raso, sem sentido algum.

Posso estar errado, quem sabe...mas, enxergo solidões em um ser. Uma delas é a angústia de estar sozinho de fato e perdido; a outra é o prazer de estar na companhia de si mesmo, explorando com bastante atenção a existência e dando vida - de fato! - ao ato de simplesmente existir. Carregamos as duas. Transitar por elas pode ser inevitável, mas sempre tenho buscado estar na segunda opção.

Anselm Grün me pareceu dialogar com isto em sua pequena obra. O que me fez lembrar do filósofo Schopenhauer que tão bem coloca que é "na solidão que as pessoas voltam para si mesmas, aparece o que elas têm em si". E aí meu caro, evoluir também depende muito da coragem de encarar este espelho. Muitas vezes passar mão no espelho - como quem sai de um banho quente! - na busca por melhor nitidez.

Quem não confronta a si mesmo não possui autoridade em nenhum discurso sobre a forma de enxergar o mundo. É um poço de rancor, de angústia, de visão distorcida e de medo! É preciso ter atenção para com a solidão, pois é também uma forma de acerto de contas. Este acerto de contas - como diria Jean Paul Sartre, em seu existencialismo - fará com que se desfrute da liberdade de se ser o que é, ou que se veja prisioneiro de imposições que não permitem que - na multidão - se esteja caminhando consigo mesmo.

Na segunda opção, o lamento de não suportarmos a nós mesmos. O silêncio vira casa dos gritos da consciência a denunciar a máscara! É preciso saber dar atenção a nossa solidão. Precisamos desta solidão, que em início pode até não nos cair bem. Mas, não há outra forma de estudar, limpar a vista, analisar, apreender, buscar, reencontrar, entender, compreender e achar sentido. Quem foge desta solidão, foge de si mesmo. Se joga em prazeres, se lança em abismos.

Por esta razão, não são raras as vezes em que a madrugada - para mim - funciona como um templo. Local de encarar o espelho! De encarar a si mesmo na jornada que nos leva da juventude à velhice, da velhice à morte. Um caminho que passa rápido. Rápido demais e eu seria um tolo se abrisse mão de mim mesmo neste processo. Quero ter na velhice o que tão bem resume Grün: o encaminhamento para o essencial!

E neste encaminhamento terei que aprender a dividir o que sou - na verdade um eu melhorado; a busca de ser melhor que eu mesmo a cada dia - com os que amo, para então receber o amor de volta. Só poderei assim me doar se - esta solidão ajuda neste sentido! - puder ter a compreensão do que estou doando.

Nos "amores" fáceis dos dias de hoje, ninguém se doa para receber de volta. Todos se sugam na busca de evitar a profundidade e amenizar as angústias. Efêmero, superficial, excessivamente carnal e desatencioso para consigo mesmo e para com o próximo. Quando penso em amor, penso em envelhecer ao lado, nem na frente, nem atrás; mas, ao lado...a árdua tarefa da qual muitos desistem por egoísmo e acabam por nunca compreender a diferença entre estar sozinho e ser sozinho!

Estar sozinho é encarar esta solidão aqui descrita e confrontar a si mesmo. Já "ser sozinho" pode ser sempre ter uma companhia, ter um prazer, ter algo que nos distancie da solidão e - sem percebermos; por uma fuga - também nos distancie de nós mesmos. Como brinde, uma máscara, uma angústia por vezes sublimada com tarja preta!

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